Não basta que o edital traga algum requisito para aprovação e classificação nas fases do certame, tais exigências necessitam estar previstas em lei e devem guardar harmonia com a Constituição Federal e seus princípios.
Nesse artigo, faremos um Raio X jurídico das exigências contidas no edital e que entendemos, com base em inúmeras decisões judiciais, que são ILEGAIS.
1. O EDITAL
A análise se refere ao EDITAL DA/DRESA nº SD-P 01/2021/2022 Soldado de Nível III.
Em nossos grupos do whatsapp, atualizamos os candidatos com informação relevante sobre as decisões judiciais que envolvem o concurso em andamento, você pode conferir tudo em nosso grupo de WhatsApp.
Legislação aplicada
- Lei nº 15.266 (Estatuto do Concurso Público do RS);
- Lei nº 12.307 (Condições para o ingresso na Brigada Militar);
- Lei n.º 13.664 (Permite segundo Teste Psicológico aos reprovados no 1º);
- Lei nº 12.307 (Condições específicas para o ingresso na carreira).
A discricionariedade da administração, e o disposto no edital não têm status de Lei. O exame do disposto em edital deve ser realizado de modo a verificar a correspondência com o sistema legal do país. Assim, o Direito Administrativo nasceu como forma de controle da atuação Estatal, de forma conjunta e necessária com o Estado de Direito (rule of law).
Em regra, os editais das Carreiras Policiais trazem previsões que contrariam os princípios constitucionais. Vamos examinar ponto a ponto.
2. ETAPA DE APTIDÃO FÍSICA
Há uma confusão por parte do Estado do RS e da Banca Fundatec com relação ao significado da palavra “isonomia”. Vejamos o disposto no edital:
CAPÍTULO XI – EXAME DE CAPACITAÇÃO FÍSICA – 3ª Fase – 13.1. Uma vez determinado o local pela Banca Examinadora, não serão aceitos recursos referente às condições estruturais da pista, aclives ou declives, tendo em vista que o candidato se depara com situações de aspectos urbanos no cotidiano do exercício da profissão.
Isonomia implica ofertar igualdade de condições NO ACESSO ao cargo público, sendo vedado às organizadoras facilitá-lo para alguns e dificultá-lo para outros.
Evidentemente, quando a organizadora disponibiliza uma pista de atletismo em péssimas condições, os candidatos que ali serão aferidos restarão prejudicados em comparação com outros que realizem o mesmo teste em pista adequada. Portanto, haverá quebra da isonomia.
É de se notar, ainda, que a organizadora afirma que: “não serão aceitos recursos referente às condições estruturais da pista“.
Ora, a CF/88 ressalva o direito a recurso administrativo:
Art. 5º, LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Desse modo, a cláusula 13.1 é nula por contrariar à Constituição.
E mais, contraria ainda a Lei 15.266 que dispõe:
Art. 92. As provas e avaliações de qualquer das fases ou etapas de concurso público são recorríveis administrativamente, sendo considerada sem efeito qualquer previsão editalícia que impeça ou obstaculize a interposição de recurso.
Com relação aos critérios de aferição dos testes físicos bem como do desempenho mínimo esperado, devemos considerar o Estatuto do Concurso Público do Rio Grande do Sul:
Art. 73. Os desempenhos mínimos serão fixados com atenção ao desempenho médio de pessoa em condição física ideal para a realização satisfatória das funções do cargo ou emprego.
Uma vez que a legislação estadual afirma que o desempenho a ser exigido, para o ingresso na carreira, deve levar em consideração o desempenho médio de pessoa – em condição física ideal, há grave indício de nulidade nas clausulas do edital que preveem:
- 5.1. Para candidatos do sexo masculino: 05 flexões de barra, 40 abdominais em 60 segundos e percorrer 2.500 metros em 12 minutos;
- 5.2. Para candidatas do sexo feminino: 20 segundos de isometria na barra fixa, 32 abdominais em 60 segundos e percorrer 2.100 metros em 12 minutos;
Ao considerarmos tais exigências frente outros editais de carreiras policiais, surgem dúvidas quanto à existência de estudos técnicos realizados pela Administração para declarar que esses índices constituem o desempenho médio de pessoa em condição física ideal.
3. EXAME PSICOLÓGICO
Com relação a essa etapa, identificamos várias irregularidades, a mais importante é a falta de informações no edital com relação à possibilidade de o candidato reprovado requerer a realização de um segundo teste, que possui previsão na LEI N.º 13.664:
Art. 1º – Fica assegurado ao candidato reprovado em exame psicológico, ou similar, em concurso para a investidura em cargo ou emprego público, o direito de acesso ao conteúdo da fundamentação da incompatibilidade e a submissão a novo exame, desde que requerido pelo interessado.
Fique atento, é seu direito, caso reprovado, realizar um segundo teste, mas para garantir isso é necessário requisitá-lo à Organizadora.
Vejamos agora outras irregularidades:
- 17.2. O candidato que optar em comparecer na Entrevista de Devolução acompanhado por um psicólogo, deverá encaminhar pelo Formulário Online, conforme período determinado para essa finalidade em editais publicado na ocasião, cópia da carteira do Conselho Regional de Psicologia/CRP válida, juntamente com a cópia da certidão de regularidade de inscrição do órgão regulador da profissão;
- 17.3. O psicólogo acompanhante contratado não poderá ter vínculo com a Brigada Militar, deverá estar em dia com suas responsabilidades junto à categoria e sem qualquer processo ético/moral em curso, ou cumprindo penalidade determinada por aquele Conselho;
- 17.6. Caso o candidato compareça sozinho na Entrevista Devolutiva, aspectos técnicos referentes a testagem psicológica, como correção de testes e outros aspectos privativos ao exercício da profissão do psicólogo, não serão discutidos, bem como não será permitido acesso aos instrumentos aplicados;
- 17.8. A Entrevista de Devolução tem por objetivo detalhar os resultados obtidos na Avaliação Psicológica, não se revestindo com caráter de reaplicação ou de reavaliação do Exame Psicológico;
- 17.9. A Entrevista de Devolução será exclusivamente de caráter informativo, não sendo considerada como recurso;
A interpretação literal dos referidos itens leva-nos a acreditar que psicólogos que estejam em atraso com as contribuições anuais devidas aos conselhos de classe serão impedidos de atuar, o que é manifestamente ilegal vez que implica cerceamento do direito ao trabalho desses profissionais.
Há ainda a manifestação de que o candidato desacompanhado de psicólogo não poderá discutir a “correção dos testes”. Ora, se o item 17.8 menciona que o objetivo da entrevista consiste em detalhar os resultados obtidos, a falta de contratação de psicólogo como auxiliar não pode vedar o acesso à explicação dos motivos da reprovação.
Vejamos novamente o que está disposto no Estatuto do Concurso Público:
- Art. 96. A decisão sobre o recurso, especialmente a indeferitória, exige fundamentação com base em critérios objetivos.
- Art. 97. É assegurado ao candidato o direito de examinar as razões do indeferimento de recurso por ele interposto, bem como o fornecimento de certidão, em inteiro teor, da decisão e seu fundamento.
No caso de comparecimento à entrevista devolutiva sem auxílio de psicólogo, requeira a fundamentação de sua reprovação e também o exame das razões mediante o fornecimento de certidão.
4. ETAPA MÉDICA
Por um lado, a jurisprudência tem admitido a reprovação do candidato que apresente doenças ou inaptidões que prejudiquem o desempenho das funções do cargo a ser provido. Por outro lado, são consideradas ilegais as reprovações que não apontam motivos concretos de incapacidade para o exercício da função pública, especialmente quando realizadas com juízo de probabilidade de agravamento das doenças.
Em virtude de serem muitas exigências descabidas e que implicam reprovação na etapa médica, vamos selecionar apenas algumas, a título de exemplo:
- Joelho valgo e varo;
- Lesões ósteo-articulares não tratadas ou tratadas cirurgicamente no passado: instabilidades do ombro (glenoumerais e acromioclaviculares), instabilidades do joelho, lesões meniscais, lesões condrais do joelho, instabilidades de patela, instabilidades do tornozelo e outras lesões articulares potencialmente mórbidas, ainda que o candidato esteja em boas condições físicas no momento do exame de seleção;
- Doença hipertensiva (essencial ou secundária);
- Doenças gástricas, úlcera gástrica, ulcera bulbar/duodenal;
- Verminoses sem tratamento;
- Doenças sexualmente transmissíveis;
- Condições ou intercorrências durante a gestação (gestação múltipla, ameaça de abortamento, e outros tipos de sangramento anormal do primeiro trimestre de gestação crescimento fetal restrito ou gestantes que apresentem feto com outras alterações de crescimento, ruptura prematura de membranas ovulares, trabalho de parto prematuro;
- Apresentar gagueira.
O exame da compatibilidade ou incompatibilidade da doença ou condição física do candidato com as funções do cargo é que revela se deverá ser reprovado nessa etapa, não um juízo subjetivo e probabilístico da Administração:
Ilegal a pretensão de impedir a posse de candidato no cargo para o qual logrou aprovação em concurso público com base em mera possibilidade de evolução da doença que possui. O evento futuro e incerto não pode ser invocado como obstáculo ao legítimo exercício do cargo público almejado pelo demandante.(AC 0000978-38.2012.4.01.3800, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 de 29/11/2016 – grifamos).
Doenças transitórias ou que não inviabilizem o comprometimento da atividade policial também não podem ser consideradas como causa de reprovação.
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL. CANDIDATO CONSIDERADO INAPTO NA AVALIAÇÃO MÉDICA. INEXISTÊNCIA DE DOENÇA INCAPACITANTE. ALTERAÇÃO EPISÓDICA DE PRESSÃO ARTERIAL. PROSSEGUIMENTO NO CERTAME. APROVAÇÃO NAS DEMAIS FASES DO CONCURSO, INCLUSIVE NO CURSO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL. APTIDÃO PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO COMPROVADA. (AC 1006260-32.2019.4.01.3400, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, TRF1 – QUINTA TURMA, PJe 09/06/2021).
Em caso de reprovação, faça-se as seguintes perguntas:
- A doença/condição médica atual reduz minha capacidade de trabalho?
- A doença/condição médica atual é transitória (Colesterol, Pressão Alta etc..)?
- A doença/condição médica atual impede o desempenho de atividades físicas de rigor intensivo (curso de formação e desempenho da função)?
Veja-se que um Policial que apresente doenças sexualmente transmissíveis pode exercer as atribuições do cargo em igualdade com outro Policial que não apresente tal quadro clínico.
Do mesmo modo, um Policial que apresente o quadro de hipertensão ou colesterol alto, mas que realize o tratamento adequado para o controle da doença não é incapaz para o trabalho. É óbvio que casos individuais guardam particularidades que devem ser examinadas em concreto, mas os exemplos mencionados servem para a perfeita compreensão do tema.
5. INVESTIGAÇÃO SOCIAL
A investigação social, em concurso público, não se resume a analisar a vida pregressa do candidato quanto às infrações penais que porventura tenha praticado. Serve, também, para avaliar a sua conduta moral e social no decorrer de sua vida, visando aferir seu comportamento frente aos deveres e proibições impostos ao ocupante de, cargo público da carreira policial ou de outras carreiras do serviço público não menos importantes.
É importante levar em consideração a LEI Nº 12.307, pois apresenta que haverá reprovação do candidato que responda a processo judicial.
Omissão de Informação
É muito importante que o candidato não omita informação. O entendimento majoritário de nossos tribunais é no sentido de que o candidato que falta com a verdade ou que omite fatos pode ser reprovado.
Inquérito Policial e Ação Penal
É muito comum, que em edital conste, a previsão de que o candidato que respondeu ou esteja respondendo a um inquérito policial, termo circunstanciado ou até mesmo de ação penal, será reprovado, mas isso vai contra o entendimento atual dos Tribunais.
O entendimento do STF
Recentemente, ao analisar o RE 560900, no dia 6 de fevereiro de 2020, o Supremo Tribunal Federal decidiu em regime de repercussão geral que:
“Sem previsão constitucionalmente adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou ação penal”.
Saiba Mais
Recomendamos a leitura do artigo referente a etapa de investigação social, para maiores informações, basta clicar no botão:
Nos parece que o candidato ao concurso da BMRS deve tomar muito cuidado, não basta se classificar na prova objetiva. É necessário estar atento à leitura do edital por completo. Nossa análise é breve e tem o objetivo de demonstrar que existem ilegalidades no edital que podem reprovar você!
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